Cem Anos

segunda-feira, novembro 10, 2003

Sopro de Vida

Levantei-me hoje cedo só para poder desfrutar do dia. Que sorte haver dias tão magníficos, aqui, à mão de semear, para nós os podermos gozar em toda a sua plenitude. Estava um tempo espantoso, o céu azul salpicado aqui e ali por pequenas nuvens brancas a fazer lembrar cordeirinhos tresmalhados do rebanho. Sim, abri a janela de par em par, respirei fundo, e lembrei-me do que a minha amiga Enid dizia de céus como este: O dia parece que acabou de chegar, fresquíssimo, da lavandaria . Acabou de chegar, lavadinho, novo, só para nós o podermos utilizar.
Viver apetece mais em dias como este. Passei toda a manhã deslumbrado com a beleza do sol, com a frescura da brisa meiga que me acariciava a face ao ritmo de ondas suaves a espraiarem-se indolentemente no areal molhado, com o chilrear dos pássaros que davam o tom aos meus pensamentos, pretendidos melodiosos. Passeei por entre as flores, jardins de flores, de várias cores, de várias formas, com os mais diversos perfumes... que pena eu não saber o nome das flores; não que desconhecendo o seu nome, a sua beleza saia minimamente diminuída aos meus olhos. Pelo contrário, sem saber o nome daquela flor tão bonita o meu cérebro só se preocupa em apreciar as suas formas, o seu desenho, a sua cor, sentir o cheiro doce que emana, apreciar a harmonia do conjunto; não perde tempo em tentar lembrar-se do nome da flor nem em catalogá-la imediatamente (sabe à partida que tal esforço é inútil). De qualquer forma, assim é mais difícil partilhar a beleza das coisas: para quem me ouve, não é igual eu dizer que vi uma linda flor em vez de dizer que vi uma linda tulipa ou um lindo cravo ou uma linda camélia ou o que seja.
Se calhar, vou ter que aprender o nome das flores só para que quem me ouça possa perceber o alcance das sensações de que desfrutei ao contemplá-las. Para mim, não é importante etiquetá-las; mas o que é deveras importante é fazer chegar aos outros os meus sentimentos, fazer com que eles apreendam na plenitude (na extensão e no rigor) os meus pensamentos e emoções, nomeadamente quando contemplo uma flor belíssima mas cujo nome ignoro. Tarefa que - mais do que árdua - é inglória... e não me refiro já ao campo (deveria dizer jardim?) das flores pois esta é uma limitação que - algo paradoxalmente - se estende a muitas outras situações.
Na verdade, vemo-nos frequentemente perante a incapacidade de conseguir transmitir aos outros aquilo que pensamos. As palavras são limitadas e nunca encaixam perfeitamente naquilo que sentimos porque é impossível definir toda uma plêiade de sensações, emoções, afectos, gostos, impressões numa só palavra, numa frase que seja. É amor o que sinto? Não sei... é algo tão forte, tão magnífico, tão complexo, tão profundo, tão arrasador, tão bonito que não consigo descrever. E depois, a palavra amor o que significa? Amor, amar, amo-te... conseguem estas palavras exprimir o que sinto? Tudo aquilo que sinto resume-se à palavra amor? ‘Amo-te’ é tudo aquilo que eu tenho aqui dentro para te dizer? Como verbalizar toda a caterva de outros sentimentos que estão cá dentro e que me extravasam sempre que estou contigo?
Impossível, eu sei... possam os meus olhos dizer-to, possam as minhas mãos falar-te, possa a minha boca insuflar-te o sopro da minha vida... que é tua.

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