Cem Anos

sexta-feira, outubro 19, 2018

Não era azul

Entrámos no comboio com destino ao sul
Agarrar o céu, embriagar-nos no azul
Vimos as gaivotas ao sol pela janela
Faltava-nos a luz e queríamos tê-la
Chocalhados pelo velho trem pachorrento
Acenámos aos que passeavam ao vento
Ante postes de telefone supersónicos
Jurámos ser cândidos optimistas crónicos
Disse: amarei o mundo enquanto tu nele existas

Puxei dum cigarro e tu pegaste em revistas
O sol caiu sobre a soldanela das dunas
Dois pinheiros enquadrando-o como colunas
Veio o breu e instalou-se com uma chuva lenta

Não sei quanta mais noite o coração aguenta?

Os cigarros já se me tinham acabado
As tuas revistas repousavam de lado
O frio entrava resoluto pelas frestas
Das sombras do vagão ressaltavam arestas
Ensaiei aconchegar-me a ti no banco frio
Vã lembrança de quando eras mar e eu era rio
Tentei falar-te, mas os olhos não sussurram
Tentei abraçar-te, mas os braços não seguram

Com a chuva tinha-se encharcado o optimismo
Lá fora, vê-se ao longe a ponte sobre o abismo

Enfim assomou a luz da manhã prometida
Julgara o tempo fazer-nos uma partida?
Gotas de água desciam pela janela

Queríamos a luz, porém faltou-nos vê-la

Quando o comboio estacou na estação deserta
Ansioso e inseguro estendi-te a mão aberta

Levantaste-te, logo me beijaste os lábios
Os nossos olhos foram contudo mais sábios
Após muitas horas chegáramos ao sul

Era tudo afinal cinzento,

    não era azul

0 Comentários:

Enviar um comentário

<< Home