Cem Anos

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Desisto

Hoje pensei que seria talvez melhor fugir. Não sei, não sei porquê, não sei para onde, mas fugir, fugir, fugir... Não consigo mais encontrar-me, ver-me, confrontar-me, não aguento mais, não posso mais, pensei. Vou fugir.

Depois... depois desisti, claro. Como de costume. Como sempre. Mas temo que não aguente mais. Queria poder demitir-me, exilar-me, ostracizar-me. Como dantes, desisti.

É por isso que quero fugir: não aguento mais desistir. Desisto! Não posso mais aturar a minha incapacidade. De ser, de viver, de tentar. Talvez começar de novo?... Não, seria penoso. Demasiado penoso. Seria demasiado.

Irrito-me comigo na mesma proporção em que me idolatro. Os outros, ah, os outros, não percebem nada, não vêem nada, nada nada. Nada. Eu, eu, sim, eu, só eu, eu sei! Eu sei e preferia não ser, perdão, não saber, preferia a inconsciência. Preferiria? Não sei. E irrito-me por não ser, quero dizer, por não saber. Quem não sabe é como quem não é. E quem é, sabe. E eu não sei nada. E os outros não sabem nada. Nada nada.

E, não obstante, gosto de mim. Por vezes. Quase sempre. Não agora, claro, porque agora detesto-me, odeio-me. Acho que me detesto desde que me conheço. Desde sempre? Não sou.

Se ao menos me compreendessem... Me compreendessem e me traduzissem e me explicassem e me iniciassem. Podia então ser porquê. Queria dizer, saber porquê. Acho que sim, que queria dizer... Quer dizer, eu normalmente não sou muito. Já o tinha dito. Aliás, não sou nada.

Afinal, não. Afinal, o que tinha dito é que era muito, ou melhor, sabia muito. Demasiado. E que queria não ser. Ou não saber, é o mesmo. Preferia a não existência, diga-se, a ignorância. Não, o desconhecimento. Preferia o desconhecimento. Por que o disse, não sou. Não me compreendo. Não importa! Prefiro o desconhecimento. A des-existência. Minha velha conhecida. A desistência.

Mas a desistência, tenho-a. Sou-a. Agora a des-existência, eu que existo tanto? Eu que me imponho tanto, todos os dias, tão agressivamente, a mim? E, porém, não existo. Porque os outros, ah, os outros... Fossem eles inteligentes, ao menos. Persistem apenas em ser e contentam-se em ser e regozijam-se por serem e são. E impõem-se-me. E eu não se me lhes imponho. Persisto e contento-me e regozijo-me com a minha auto-imposição. Que me dói...

Por isso, numa palavra, desisto! Não, em três palavras di-lo-ei melhor: fugir, fugir, fugir! Mas para onde, se me encontro?... Encontro-me? Suprema ironia! Encontrar-me pudesse eu, esquecer-me pudesse eu... Pudesse eu. Que não posso. Já não posso. Não sei se alguma vez pude. Não sou, não sou nada. Ou sou tudo e quem sabe tudo, não sabe nada. Gostava de conseguir explicá-lo. Gostava de conseguir. Mas forças já não tenho, alguma vez tive? Desconheço. Já o tinha dito. Não sou.

Porque sou muito. Porque sou demasiado, sei demasiado. E se fosse só eu, ao menos. Eu comigo. Um universo feito de mim. De mim comigo. De mim para mim. Se assim fosse, ao menos. Mas tudo tinha de ser feito ao mais, aos outros! Ah, os outros... Como me ferem! Menos do que eu a mim, bem entendido. Mas ainda assim, muito. Demasiado. Penoso.

Des-existo!

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