Cem Anos

segunda-feira, março 06, 2006

Neste tempo

Eu cresci, vivi, fui tendo uma vida. As preocupações foram-se acumulando, como é próprio do crescimento, os estudos, o trabalho, a rotina do trabalho… e as relações foram-se sucedendo sem marca, sem cheiro, sem cor. Uma ou outra vez conheci mulheres que valeram a pena, que me ensinaram, que me deram o seu carinho, que me deixaram amá-las, que se mostraram suficientemente enamoradas… Talvez tenha havido uma – duas, por optimismo – que me tenha amado realmente, se é que ela sabia o que era amar. Se é que eu sabia notar.

Lembro-me agora de que houve uma que mo disse explicitamente: Amo-te, Carlos. Amo-te, aos teus olhos, aos teus caracóis. Amo-te, Carlos. Comovi-me. Acreditei. Beijei-a sofregamente. Já não me lembro se a amava. Eu talvez julgasse que sim. Muito provavelmente, não…

De resto, nada a declarar. Não houve nunca grandes turbilhões interiores nem nunca o tempo se suspendeu enquanto fiz amor. Não houve grandes sobressaltos, grandes taquicardias, grandes desgostos… Tudo q. b., como convinha a um amante cuidadoso, com medo de água fria.

Não nego que houve alturas de grande investimento; alturas de extrema esperança. Continuo crédulo e, portanto, a princípio tudo me parecia possível, tudo eu desejava. Depois, depois o cinismo sobrepunha-se, o desânimo, o desalento, a decepção. E eu deixava-me invariavelmente seguir sem grandes ondas, sem grandes torrentes, até a outra parte se fartar, se cansar da minha desvergonha. Acabávamos. E eu, grato, procurava outra tu noutra mulher qualquer.

Sim, outra tu, ouviste bem. Perguntas-me o que me aconteceu, queres saber de mim após todos estes anos, indagas o que significou o nosso amor adolescente… pois bem, se eu amei alguém, foi a ti porque só então eu poderia amar sem cadafalsos, grilhetas ou sótãos mentais. Sem perjúrio. Sem saber.

E eu amei-te. Não tenho medo da palavra: amei-te. No tempo do sol, da praia e do espaço livre, no tempo das mãos hesitantes e dos prazeres desconhecidos, no tempo das noites de estrelas quentes e brisas púberes, no nosso tempo. No tempo em que tínhamos tempo para nos deixarmos amar.

E desde então quero reviver a nossa relação, reconstruí-la, já não contigo. Quero reviver-te. Ouves? Quero reviver-te! Já não contigo. Sei que já não temos tempo e, por mais tempo que tivéssemos, já não podíamos deixarmo-nos amar. Seria uma fraude. Uma falsificação. Um embuste. E, por isso, procuro-te noutra. Quero o nosso amor noutro. Quero conseguir amar outra vez.



Vim à procura do sol nesta praia com tanto espaço livre. Mas as minhas mãos já não hesitam e o prazer, conheço-o bem. Chegou a noite, sinto frio sob as estrelas e a brisa envelhece-me. Neste tempo.

Acabou-se-nos o tempo?

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