Cem Anos

terça-feira, setembro 19, 2006

O banal (III)

Vim à janela e olhei a imensidão dos prados… não reparei nos prados, fixei-me na imensidão… e absorvi-a. Voltei-me e deparei com a escuridão da sala… não me apercebi da escuridão, concentrei-me na sala… e integrei-me.

Olhaste-me, fria. Deveria estar desenquadrado pois levantaste-te e gentil mas decididamente arrastaste-me para junto do sofá. Deste dois passos atrás, estudaste o efeito, a luz, o enquadramento, e parecendo agradada com o resultado final, foste sentar-te novamente no cadeirão de braços.

Reparei na lenha que crepitava na lareira, mas não me lembro se daí vinha algum calor. Vinha sim um silvo constante, perturbador, persistente… mas tu estavas embrenhada no teu livro. Tentei controlar a minha respiração.



Houve tempos em que te embrenhavas em mim. Tempos em que eu ia até à janela, observava os prados e emprestava-lhes imensidão. Em que me voltava para iluminar a sala. Em que me olhavas, desejosa. Em que eu me destacava da mobília, do papel de parede, da decoração. Tempos em que o calor vinha de nós e em que tu silvavas, sequiosa…

Porém, um dia voltei-me e a sala permaneceu na penumbra… e entreguei-me.

quarta-feira, setembro 06, 2006

O banal (II)

Era loira, bonita, olhos verdes. A sua beleza atraía-nos. Porte altivo, desfazia-se em atenções e simpatias quando lhe falávamos. Graciosa, disponível, amável. Precisava de nós. Era um reflexo que andava à procura do corpo que se ausentara do espelho. E nós éramos esse corpo. Só existia connosco, só fazia sentido connosco, e pedia-nos unicamente que estivéssemos ali, receptivos à sua simpatia. Pedia-nos só que não nos ausentássemos do espelho. De outro modo, morria, definhava, apagava-se. Nós agradecíamos reflexo tão vistoso, jovial, agradável, de corpo tão tosco.

Mas a sua necessidade de nós assustava-nos…

O banal (I)

Havia um rapaz que se refugiava no silêncio. Observava, sorria raramente, era possível arrancar-se-lhe um ou outro monossílabo, mas a maior parte do tempo apenas estava, existia. O seu sorriso raro era doce. Os seus olhos faiscavam de vida nesses momentos de cedência. As suas orelhas erguiam-se ligeiramente e uma pequena covinha desenhava-se-lhe em cada uma das faces. De imediato, corava e recolhia o seu queixo de encontro ao peito, enviesadamente; os seus olhos baixavam e chegava a dar um passo atrás. Era um sorriso curto. Acabava-se quando dele tomava consciência. Nesses momentos, apertava as mãos nervosamente e voltava ao silêncio.

Continuava a observar-nos, contudo.